duminică, ianuarie 07, 2007

BLAT: um hábito que já foi tarde!

Antes de mais nada, aproveitemos a primeira postagem do ano para desejar a todos os leitores um 2007 de altíssimo nível, repleto de emoções vibrantes e conquistas gloriosas para todos. Que o espírito do fotbal romaniei se manifeste em vocês sempre que algum obstáculo surja no caminho, e que as adversidades sejam tratadas do modo devido: a voadoras e botinadas.
Agora, voltamos à nossa programação normal de férias. Muito obrigado.

Como sabemos, durante um bom tempo o Brasil esteve às voltas com diversas práticas que depunham perigosamente contra a seriedade de seus campeonatos domésticos. Denúncias contra as arbitragens, acusações de resultados arranjados, facilidades para clubes grandes escaparem ou nem disputarem divisões inferiores e diversas ‘viradas de mesa’ foram desagradável realidade por aqui – e ainda acontecem, é certo, mas em ritmo bem menor e de maneira bem mais constrangida do que até há pouco. O que quase ninguém sabe (afinal, na preconceituosa imprensa esportiva brasileira é que vocês não iriam ver) é que não é só o fotbal brazilianul que sofre com essas mazelas: infelizmente, o fotbal romaniei também. Durante muito tempo, a prática deplorável do blat depôs seriamente contra a qualidade e honestidade dos campeonatos locais da Romênia, e só com reiterado esforço está sendo eliminada de vez.

Blat é um termo surgido inicialmente para designar pessoas que viajavam em ônibus sem pagar a passagem, mas que foi aos poucos adaptado à realidade futebolística, e hoje define as negociações entre dirigentes e a troca de certas ‘gentilezas’ entre eles. As origens dessa desagradável prática estão nos tempos de ditadura comunista, e estavam associados basicamente a dois propósitos. Diz-se que havia uma certa ‘torcida’ do Partido Comunista pelos grandes clubes de Bucuresti (Steaua e Dinamo), e que muitas vezes times menores eram ‘persuadidos’ a darem ‘uma moleza’ para os dois, de modo que os títulos de ambos fossem garantidos. Isso infelizmente se potencializou com a conquista do Steaua na Copa dos Campeões Europeus de 1985: o título foi visto como uma propaganda do regime e se tornou questão política manter os ‘militarii’ em evidência. Porém, sem dúvida o grande objetivo do Blat (na época chamado por alguns também de cooperativa) era evitar que determinados clubes caíssem para a ‘Divizia B’. Como o Partido Comunista tinha influência decisiva em decidir quem ia subir ou descer de ‘divizia’, clubes faziam acordos no sentido não só de agradar o Partidão (colaborando para os títulos dos clubes favorecidos pelo esquemão estatal) como também de auxiliar a si mesmos, de modo que todos bem ou mal permanecessem na Liga 1. Assim, resultados eram arranjados, geralmente no sentido de facilitar a vitória do clube local ou do ‘colaborador’ que estivesse em pior situação na tabela.

Infelizmente, a situação não amainou imediatamente após a execução de Nicolae Ceausescu e da queda do regime comunista. Pelo contrário, ficou ainda mais forte e organizada. De qualquer modo, o blat nunca foi uma coisa generalizada entre os clubes do fotbal romaniei, algo do tipo “tem para todo mundo”: o que se formava era um pequeno grupo (geralmente entre 3 e 5 agremiações) que ficava trabalhando em prol de interesses conjuntos. Quando um dos times envolvidos no esquema garantia sua permanência na Divizia A, passava a perder pontos sempre que isso pudesse ajudar companheiros de mutreta que estivessem em situação mais delicada. Do mesmo modo, acordava-se que no confronto entre as ‘echipas’ X e Y, cada uma delas venceria seu respectivo jogo dentro de casa. Mesmo que esses esquemas, em última análise, transformassem os clubes envolvidos em equipes eternamente medíocres que nunca ganhavam nada, a manutenção das cotas de televisão e patrocínio incentivava a mamata – mesmo porque boa parte do dinheiro acabava entrando na conta dos dirigentes que promoviam a “camaradagem”, e eles obviamente não queriam perder a boquinha. Não era sequer uma armação feita com discrição: no fundo, todos os envolvidos com o fotbal romaniei sabiam muito bem quais eram os clubes e dirigentes metidos com tais marmeladas. As entidades futebolísticas romenas eram coniventes com as armações (quando não participavam ativamente delas, diga-se), e as conseqüências desse ‘jeitinho romeno’ acabaram sendo muito maléficas para todo o fotbal romaniei.

Durante cerca de dez anos (mais especificamente, entre 1992 e 2002), o futebol romeno se viu associado à vigarice de alguns de seus dirigentes. O público nos stadionul caiu dramaticamente, as cotas de patrocínio minguaram (afinal, os patrocinadores evitavam ter seu nome associado a competições sem qualquer credibilidade) e mesmo os pais de possíveis promessas do futebol recusavam-se a permitir que seus filhos entrassem nas categorias de base, por não quererem os meninos em um ambiente tido como desonesto e apodrecido. Atletas mais qualificados topavam qualquer negócio para saírem da Romênia, pois só assim poderiam desenvolver seu trabalho sem a pressão de dirigentes ‘sugerindo’ a obtenção de determinados resultados. A combatividade e o espírito demolidor construído durante mais de setenta anos de campeonato nacional começaram a se esvair, e jogos chochos sem um mísero ‘cartona galbene’ eram comuns. De fato, há quem associe o péssimo desempenho obtido pelos clubes romenos nas copas continentais do período a essa situação: afinal, não havia como fazer blat nenhum contra clubes de outros países, e a simples falta de prática com jogos de fato ‘jogados’ era nesses ‘meciuri’ praticamente uma certeza de derrota.

Embora protestos veementes e atitudes combativas contra o blat fossem comuns desde os anos 90 e ainda antes disso, foi a partir de 2003 que a mudança construída em anos de mobilização começou de fato a surtir efeito. Muitos clubes de médio porte começaram a perceber que o esquemão trazia muito mais complicações do que benefícios, e passaram a furar os acordos de muitos anos, entrando em campo para vencer sempre. Dumitru Sechelariu (foto), até hoje presidente do FC Bacau, sentiu-se traído por colegas blatăr e chutou o balde, revelando naquele mesmo ano detalhes sórdidos dos esquemas realizados, admitindo sua participação nos mesmos e exigindo que algo fosse feito no sentido de eliminar essa prática.

A reação da opinião pública foi bastante intensa, e isso foi decisivo no sentido de fazer muitos clubes desistirem das mamatas e começarem a jogar de verdade. A imprensa local (que em nada se parece com os pelegos que temos por aqui) intensificou ainda mais sua já barulhenta campanha anti-blat e tornou praticamente inviável a manutenção desse ‘coleguismo’ entre co-irmãos, sob pena de serem execrados publicamente de modo inimaginável menos de dez anos antes. Resultado: as competições locais (que haviam sido tidas em 2002 como as mais chochas e desonestas de toda a Europa) voltaram a chamar público e a renderem dinheiro, os dirigentes mais diretamente envolvidos foram defenestrados e o desempenho continental dos clubes locais melhorou imensamente, como comprovam as boas campanhas de Dinamo, Rapid e Steaua nas copas européias até aqui. Prova de que, na Romênia, o fotbal é assunto cada vez mais sério, e que não mais haverá conivência com maracutaias e mutretas afins. Esperemos que certas nações sul-americanas possam dizer o mesmo.