duminică, februarie 04, 2007

APARA DUCKADAM: a história do "Herói de Sevilha"

Desde a publicação do relato sobre a histórica conquista da Liga dos Campeões da Europa pelo Steaua Bucuresti em 1986, temos recebido pedidos de alguns leitores para nos aprofundarmos um pouco em alguns aspectos daquela equipe gloriosa. Um deles parece chamar especial atenção: a história de Helmuth Duckadam, ‘portar’ que foi o grande herói daquela noite cheia de heróis em Sevilha. Aproveitando o ritmo de férias, o Bola Romena efetuou uma pesquisa mais dedicada da trajetória do grande nome do fotbal romaniei, e o resultado de nossos esforços segue abaixo.

Helmuth Duckadam nasceu em 1º de abril de 1959 em Semlac, no condado de Arad. Começou sua carreira em times amadores da região de Arad como o Semlecana Semlak e o Constructorul Arad, desde cedo chamando atenção por sua agilidade debaixo das traves. Em 1978, fez sua estréia no esporte profissional, assumindo as cores do UTA Arad. Durante quatro temporadas Duckadam defendeu o clube, e mesmo atuando por uma equipe menor as boas aparições do ‘portar’ chamaram a atenção de muita gente. Em 1980, Duckadam foi decisivo na ascensão do UTA Arad para a Divizia A do romenão, e em1982, o atleta foi convocado duas vezes para a seleção romena – o que acabou sendo o pretexto perfeito para os dirigentes do Steaua Bucuresti, que contrataram o ‘portar’ para defender a camiseta dos ros-albastrii. Estranhamente, o ‘portar’ nunca mais foi convocado para a seleção romena, o que não deixa de ser curioso.

Duckadam defendeu o Steaua por exatos 80 jogos, e com eles conquistou o maior título de clubes da história da Romênia: a Liga dos Campeões de 1986. Durante toda a jornada, o guarda-redes foi muito importante, passando segurança aos companheiros com suas intervenções sempre seguras e atemorizando os adversários com seu olhar severo e seu bigode intimidador. Mas todas as defesas seguras e trombadas truculentas tiveram seu auge na noite fatídica de 7 de maio de 1986, quando o Steaua enfrentou o todo-poderoso Barcelona em um Ramón Sánchez Pizjuán lotado e conquistou a taça antes tida como impossível.

Depois de um jogo truncado e de poucas situações de gol, no qual o Steaua fez um dos ferrolhos mais bem sucedidos da história do futebol mundial, chegou o momento das cobranças de ‘panalty’, e a consagração definitiva do grande ‘portar’ romeno. Duckadam, em façanha até hoje difícil de acreditar, defendeu todas as quatro cobranças efetuadas pelo Barcelona (Alexanko, Pedraza, ‘Pichi’ Alonso e Marcos), garantindo praticamente sozinho a vitória de 2 a 0 nos tiros livres e a conquista inédita para o fotbal romaniei. Para terem uma idéia, foi a primeira e única vez que um feito semelhante foi registrado em jogos oficiais da UEFA, e um dos pouquíssimos relatos do tipo conhecidos no mundo – e não se deu em um amistoso ou coletivo qualquer: foi em uma final de liga européia, no campo do adversário, contra uma equipe tida à época como a melhor do planeta. O estupor que tomou conta da torcida do Barcelona durou semanas, e o mundo se pôs a enaltecer a façanha inacreditável, ficando desse momento em diante o ‘portar’ romeno com o apelido “herói de Sevilha”. A tradução de uma declaração do próprio Duckadam, retirada de uma entrevista concedida ao site oficial da UEFA, dá uma demonstração admirável do raciocínio lógico e da predestinação do grande ‘portar’:

“Estava tudo nas minhas mãos na hora das penalidades. Alexanko bateu o primeiro pênalti. Eu decidi ir para a direita e ele chutou para a direita, então consegui evitar o gol. A segunda cobrança foi menos simples. Eu tentei pensar como Pedraza. Ele deveria estar pensando que, já que eu tinha defendido uma bola na direita, eu dessa vez tentaria pular para a esquerda. Então ele chutou na direita e eu consegui defender a segunda cobrança também. A terceira cobrança, de Pichi, foi mais fácil. Qualquer goleiro que defenda duas bolas à sua direita irá certamente para a esquerda na terceira cobrança. Então ele optou pela direita e eu fui para a direita e defendi a terceira penalidade. Com a quarta cobrança, eu tinha um problema. Eu tinha sérias dúvidas sobre o que Marcos iria fazer – se ele ia copiar o terceiro ou tentar chutar na esquerda. Eu decidi mudar de lado e optar pela esquerda dessa vez. E Marcos também escolheu esse lado”.




A fama de Duckadam na Romênia tornou-se compreensivelmente imensa, e para muitos torcedores (não só do Steaua, diga-se) ele virou imediatamente uma figura incomum, uma verdadeira lenda viva. No entanto, havia um toque trágico aguardando por Duckadam, e ele não demoraria em se manifestar. Poucas semanas depois do triunfo de Sevilha, o goleiro teria começado a manifestar um quadro clínico preocupante, o que rapidamente resultou no seu afastamento dos treinos e, posteriormente, de qualquer atividade esportiva. De fato, ele nem disputou a final do Mundial Interclubes daquele ano, na qual o Steaua perdeu de 1 a 0 para o River Plate. A coisa não foi bem explicada na época, e logo surgiram boatos de que Nicolae Ceausescu, ditador da Romênia na época, teria ordenado a mutilação das mãos do goleiro à marteladas, em um ataque de ciúmes pela fama súbita do antes pouco lembrado atleta. Era, evidentemente, uma lenda urbana sem fundamento real, posto que o próprio Ceausescu usou o título do Steaua como sustentação para seu regime antidemocrático; mas, então, o que se passava? Isso, ninguém (ou quase ninguém) sabia – e o conhecido temperamento pacato e discreto do atleta acabou aumentando os rumores, uma vez que ele optou pela discrição e sumiu dos olhos do público por muito tempo.

Durante anos pairou no ar a dúvida sobre a real natureza da enfermidade de Duckadam. Não raro, exagerou-se sobre a verdadeira natureza do problema, e virou uma espécie de verdade factual dizer que se tratava de uma disfunção bastante rara do sistema circulatório, que teria atingido o goleiro de modo intenso e assustador. Segundo alguns, isso teria afetado especialmente as mãos do guarda-redes, que não conseguiria mais sequer segurar pequenos objetos com firmeza; outros afirmam que o problema era a fadiga permanente do jogador, que ficava cansado com muita facilidade e não podia executar normalmente mesmo as mais simples tarefas domésticas. Na verdade, o acontecido foi bem mais simples, embora de qualquer modo bastante preocupante: Duckadam teve uma trombose causada por um coágulo no braço direito, e teve que ser submetido a uma cirurgia de emergência para evitar a amputação. Em entrevistas posteriores, Duckadam afirmou que já estava sentindo desconforto no braço atingido mesmo antes da histórica final, mas que preferiu silenciar a respeito e agir como se nada estivesse acontecendo. Se ele tivesse dito algo aos médicos do clube, é possível que não tivesse sequer disputado a partida mais importante de sua vida.

Somente em 1989 ele retomaria as atividades como jogador, defendendo o pequeno Vagonul Arad. Embora plenamente recuperado, Duckadam nunca mais conseguiu alcançar o prestígio e o bom desempenho de seus tempos de glória, o que fez de seu regresso uma experiência consideravelmente curta. Aposentou-se do fotbal no início de 1991, sem ter atingido resultados de nota pelo Vagonul, e mais uma vez sumiu do olhares do público, preferindo uma vida mais discreta e reservada.

Relatos recentes dão conta de que Helmuth Duckadam atuou como conselheiro do Ministério Romeno de Juventude e Esportes, e atualmente é delegado de polícia na área de fronteira com a Hungria. Duckadam atuou durante algum tempo como treinador da equipe júnior do UTA Arad, e em 1997 abriu uma escolinha de fotbal, ensinando as manhas do estilo romeno para crianças e adolescentes da região de Arad. Em 2003, voltou a Sevilha como convidado de honra, para a apresentação da taça que seria entregue meses depois ao Porto pelo título da Liga. Recentemente, ele foi recebido como homenageado em alguns jogos locais do Steaua, e a reação dos sempre gratos ‘militarii’ teria sido não menos do que apoteótica. Nos resta torcer para que Helmuth Duckadam esteja feliz, vivendo sua aposentadoria das arenas romenas com tranqüilidade, e colhendo os frutos de sua trajetória gloriosa a serviço do fotbal romaniei. Nada seria mais justo.